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24 de Abril de 2024

Bocca di Leone no Fórum de Vila Velha

Publicado por Vitor Guglinski
há 9 anos

Fonte: Jornal Século Diário

Na Veneza do século 14, havia uma maneira peculiar de se fazer denúncias. Na fachada do Palácio dos Doges havia a escultura de uma cabeça de leão, cuja boca era usada para o depósito de denúncias anônimas.

As mensagens apócrifas chegavam nas mãos do temido Conselho dos Dez - colegiado com amplos poderes que, muitas vezes, operava secretamente, à revelia das leis e do próprio Estado. Não era incomum que a partir dessas denúncias anônimas, se abrissem processos que corriam em segredo. As decisões do conselho eram definitivas. Os notáveis tinham poderes ilimitados para impor sanções, que incluíam tortura e até a pena de morte.

Reportagem assinada em 2010 pela jornalista Ludmila Santos, para o site Consultor Jurídico (“Advogados apontam uso abusivo de denúncia anônima”), faz um paralelo com a “Bocca di Leone” veneziana para mostrar que mais de seis séculos depois o Judiciário segue violando os direitos de advogados, escorados em denúncias anônimas.

Apesar da jurisprudência apontar que é preciso investigar as informações prestadas nas delações anônimas, para impedir que denúncias sem qualquer fundamento promovam uma verdadeira devassa na intimidade dos cidadãos, assim como para coibir o crime de denunciação caluniosa, os abusos continuam.

A reportagem do Consultor Jurídico, após ouvir advogados, afirma que as autoridades seguem se valendo indiscriminadamente das delações anônimas, seja para conseguir uma interceptação telefônica, quebrar o sigilo fiscal e bancário ou mesmo para conseguir um mandado de busca e apreensão.

O juiz José Augusto Farias de Souza, da Primeira Vara Criminal de Vila Velha, nos fez voltar à Veneza do Conselho dos Dez. Nessa quarta-feira (24), a polícia cumpriu um mandado de busca e apreensão do juiz contra o advogado Marcos Dessaune, que horas depois descobriria que as violações que estava sofrendo foram motivadas por uma denúncia anônima.

O magistrado teria recebido uma carta anônima cujo conteúdo implicava o advogado como mentor de uma trama para invadir as contas de e-mail e perfis de redes sociais do juiz Carlos Magno Moulin Lima, com intuito de usá-las indevidamente para fazer comentários ofensivos e cadastro em sites de conteúdo sexual.

O autor da denúncia seria o hacker que operou tecnicamente o crime supostamente encomendado por Dessaune. Entretanto, o criminoso virtual não teria recebido o pagamento pelos serviços. Contrariado, ele decidiu se vingar do calote delatando o contratante à Justiça.

Ora, quem conhece um pouco mais a fundo o caso de Marcos Dessaune e dos primos juízes, Carlos Magno Moulin e Flávio Jabour Moulin, sabe que o advogado passou a ser perseguido pelos magistrados após denunciá-los, juntamente com outros colegas advogados, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Em 2009, quando foram feitas as denúncias ao CNJ, os Moulin figuravam como autores de 18 ações criminais e indenizatórias contra seis advogados, entre eles, Dessaune e Karla Pinto, que também está em litígio com os primos juízes.

Com relação ao mandado de busca e apreensão contra Dessaune, considerando o histórico do caso, fica evidente que o juiz Carlos Magno está tentando inverter os papéis, que transferir para Dessaune a autoria dos crimes e reivindicar para si o papel de vítima.

Para avaliar quem tem a razão basta analisar detidamente as alegações do advogado e do juiz. Somente após a quebra do sigilo, por decisões do juízo da 2ª Vara do Juizado Especial Cível da comarca da Capital de São Paulo, o advogado capixaba descobriu que o juiz Carlos Magno havia criado e utilizado o perfil que atendia pelo nome de Leonardo S. V. Silva. O magistrado teria acessado o perfil falso várias vezes entre os dias 21 de julho e 5 de agosto de 2014, apesar de ter um perfil próprio no Facebook.

As denúncias de violação de prerrogativas por parte dos juízes foram alvo de representações disciplinares movidas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia (CNDPVA) da Ordem reconheceu a prática das violações, coincidentemente, através do uso de outros perfis falsos para difamar Dessaune.

Em decisão unânime, após a concessão da ampla defesa aos dois juízes, os conselheiros federais entenderam que o advogado, ao atuar em diversos processos, sofreu abuso e impedimentos por parte dos juízes. Entre os abusos cometidos pelos magistrados capixabas, os conselheiros concluíram que os comentários feitos em conteúdo noticioso, publicados no site Congresso em Foco, eram de responsabilidades dos primos Carlos Magno e Flávio Moulin, que teriam usado falsas identidades virtuais.

De outro lado, em defesa da tese do magistrado de que Dessaune é o verdadeiro autor do crime, há uma carta anônima de um suposto hacker, que decidiu denunciar a trama para se vingar de um calote.

O juiz José Augusto Farias de Souza, assim como os membros do Conselho dos Dez, parece estar disposto a levar a sério a delação anônima que inocenta o juiz e incrimina o advogado.

A propósito, alguém sabe informar onde fica a “Bocca di Leone” do Fórum de Vila Velha?

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