Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
19 de Maio de 2024

Os 24 anos do Código de Defesa do Consumidor e a importância da educação para o consumo

Publicado por Vitor Guglinski
há 10 anos

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) completa hoje 24 anos de existência.

Para celebrar essa data, trago aos leitores algumas reflexões que publiquei há alguns anos, destacando a importância da educação para o consumo, que, a meu ver, deveria ocupar o primeiro plano de qualquer reflexão sobre as sociedades massificadas, dada a dimensão que o consumo assumiu em nossa sociedade como um dos aspectos mais marcantes da vida civil.

Inicialmente, basta uma pequena reflexão para concluirmos que o consumo nos acompanha desde o nascimento até a nossa própria morte, na medida em que consumimos durante as 24 horas do dia, seja através do simples ato de acender uma luz, seja através das complexas contratações que envolvem a vida moderna.

Abstraindo-me das implicações jurídicas pertinentes ao tema, inobstante a necessidade da criação e manutenção de instituições que garantam a proteção estatuída pelo Código de Defesa do Consumidor, penso que a educação para o consumo é o mais importante instrumento a ser explorado como forma totalmente eficaz no combate às abusividades cometidas pelos fornecedores de produtos e serviços no mercado de consumo, uma vez que tem o condão de evitar suas potenciais mazelas ou, na pior das hipóteses, combatê-las já no seu nascedouro.

Significa dizer que num país como o Brasil, com instituições públicas notoriamente deficientes e sempre em crise, nada mais salutar do que implementar concretamente a difusão dos valores constitucionalmente consagrados e desejáveis para a construção de uma sociedade mais humana. Digo humana porque o modelo de Estado Democrático de Direito, segundo insuperável preleção de Miguel Reale, tem o homem como "valor fonte de todos os demais valores".

Vivemos numa época onde é necessário prestigiar os direitos de 3ª geração, tidos como transindividuais, por encerrarem em si interesses que ultrapassam a esfera íntima do indivíduo, tendo, portanto, a coletividade como alvo de mecanismos que permitam o efetivo desenvolvimento social.

Imaginando que o caro leitor possa estar analisando minhas proposições sob o rótulo da utopia, permito-me ir mais além, afirmando que mais que uma legislação de proteção e defesa do consumidor, necessitamos de um modelo educacional que interfira de forma determinante na formação do indivíduo como um ser consciente e atento ao contexto social do qual faz parte.

Nesse sentido, penso que não seja utópica a inclusão do consumo como matéria obrigatória já na grade curricular dos graus primários de ensino, mas não como mero tópico abordado esparsamente dentro de outras disciplinas, mas como matéria autônoma, de forma a garantir que os valores sociais, nesse especial, comecem a acompanhá-lo desde seus primeiros passos na escola. Tal, então, teria o potencial de formar uma coletividade de consumidores cuja real consciência acerca das mazelas enfrentadas pela sociedade moderna atinja níveis de excelência, a ponto de garantir o respeito a seus direitos, baseado no simples diálogo com o fornecedor, bem como despertar o dever respeitar os demais valores protegidos pelos direitos de 3ª geração, sendo que destaco o meio ambiente como o mais importante, pois diz respeito às próprias condições de existência da raça humana, mas que se encontra hoje em colapso, exatamente em virtude da inversão dos valores que o ser humano deveria observar para garantir sua peregrinação pacífica.

Vivemos dias em que, de uma maneira geral, vislumbra-se, de um lado, a carência dos mencionados valores e, de outro, a abundância de regulações - o "Big Bang Legislativo" referido por Ricardo Lorenzetti -, as quais, como a experiência tem demonstrado, não resolvem o real problema social. Vejo isso, por exemplo, no dia a dia forense, onde percebo que muitas demandas consumeristas aliam o ardil de advogados despidos de ética profissional à ignorância do consumidor acerca de seus direitos e deveres. Percebo litigantes que, sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, se aproveitam das disposições materiais e das prerrogativas processuais nele insculpidas para auferirem lucro fácil, e o que é pior, com a chancela do Estado, mantendo o Judiciário cada vez mais submerso em processos inúteis, atrasando, assim, o provimento da tutela em causas que realmente reclamam sua intervenção.

Abrindo um breve parêntese, há algum tempo li no site da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul instituiu um órgão destinado a prestar atendimento terapêutico aos envolvidos em litígios, uma vez que a experiência daquela corte constatou que a solução das lides, em verdade, não estava na apreciação judicial da questão que envolvia as causas, mas, muitas vezes, no íntimo dos litigantes e por trás de problemas cotidianos, para os quais, se tivesse havido a devida orientação, através de uma educação sólida, não ocorreriam da forma como ocorreram, ou nem mesmo chegariam a ocorrer.

Diante do que foi dito, pode-se dizer que o mesmo raciocínio é aplicável nas relações de consumo, todavia, a meu ver, com a agravante de se tratar de algo que, como explanado, nos acompanha diariamente e, portanto, fato merecedor de maior atenção no que se refere à implementação sistemática de medidas educativas, tão cedo quanto o possível na vida do cidadão.

Por derradeiro, e em homenagem à incansável luta dos diversos segmentos da sociedade na difusão da educação como ferramenta hábil a de fato solucionar os problemas sociais, passo a transcrever o vaticinado por Fábio Konder Comparato:

"O combate decisivo será travado não por meios militares, nem mesmo como vulgarmente se pensa, no campo econômico, mas no terreno das idéias, dos valores e das justificações éticas. Dominador nenhum, em nenhum momento da história, sobreviveu sem alimentar nos súditos o sentimento da legitimidade do seu mando ou, pelo menos, da inutilidade da revolta." O forte ", disse Rousseau," não é nunca bastante forte para estar sempre no poder se não faz de sua força um direito, e da obediência um dever "".

Essa é a reflexão que eu gostaria de deixar não só para os operadores do direito que, diuturnamente, se veem às voltas com as lides de consumo, mas também para educadores, instituições de ensino e, em especial, aos consumidores de todo o país, que devem, incessantemente, buscar exercer sua cidadania.

Um forte, fraterno e especial abraço aos colegas do Instituto Brasilcon, que incansavelmente unem forças para garantir a melhoria dos institutos protetivos do consumidor brasileiro.

Cataguases (MG), 11 de setembro de 2014.

  • Sobre o autorAdvogado. Especialista em Direito do Consumidor
  • Publicações418
  • Seguidores2341
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoArtigo
  • Visualizações551
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/os-24-anos-do-codigo-de-defesa-do-consumidor-e-a-importancia-da-educacao-para-o-consumo/138881964

5 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

http://www.espacovital.com.br/consulta/noticia_ler.php?id=25300

http://forumjusticaecidadania.blogspot.com.br/2014/08/encenacao-jurisdicionaleacultura-da.html continuar lendo

Olá, professor!

Seus textos demonstram uma infeliz realidade do nosso Judiciário. De um lado a "doença"; de outro um "remédio" inócuo.

Obrigado pelo envio.

Abraços! continuar lendo

A meu ver, os grandes culpados pela situação são as empresas, que se prevalecem da ausência de punições efetivas pelos desaparelhados órgãos administrativos de controle, acompanhadas não raro por lenientes decisões do Poder Judiciário. Sem querer pessoalizar, recentemente a minha operadora de telefonia, a seu bel-prazer migrou-me para outro plano (obviamente mais caro). Questionada, por e-mail, diversas vezes, simplesmente faz tábula rasa sobre o assunto. Conversando com um amigo, disse-me que o mesmo aconteceu com ele há algum tempo atrás, pois a empresa resolvera extinguir o plano. Ora, onde como fica o ato jurídico perfeito? Onde está o respeito ao consumidor? Quantas pessoas foram vítimas de fato idêntico? Aqueles que ingressarem na justiça, penso, no máximo terão direito a serem reintegrados no plano eleito com restituição (não em dobro e após longa espera) e sem dano moral, mesmo tendo sido vítimas de uma escancarada prática abusiva (catalogada como mero ilícito contratual gerador de dissabor cotidiano). Aqueles que não entrarem na justiça (grande massa) porque nem sabem que a conduta é ilegal, não tem tempo, sentem-se desconfortáveis diante da "cerimônia processual", não sabem como proceder, acham que o valor não é de grande monta, etc., vão engrossar o lucro da operadora. Indago se, neste caso, de muito adianta a instrução do consumidor, se desacompanhada de EFETIVA reprimenda do poder estatal? continuar lendo

Caro Rubem, tudo bem?

Sem dúvida, sua ponderação procede. Conversava há pouco com um amigo que é militante na defesa do consumidor, e acabou de passar por uma situação de atraso de voo, seguido de completo despreparo dos funcionários da cia. aérea para gerir a crise ocorrida com os passageiros.

O que penso é o seguinte: o consumidor deveria exercitar mais o seu poder de persuasão no caso das telefônicas. Deveriam ligar, reclamar e ameaçar mudar de operadora, ao mesmo tempo em que comunicaria à outra operadora o ocorrido na concorrente, indagando-lhe se poderia oferecer algo melhor (é claro, sei que todas, sem exceção, estão umas porcarias). Isso tem que começar em algum momento, de alguma forma.

Penso que o brasileiro, de um modo geral, enxerga o Estado como um "grande pai". Nos meus 10 anos de experiência militando na defesa do consumidor, conheci pouquíssimas pessoas que se interessaram em ler e conhecer o Código de Defesa do Consumidor.

O que quero dizer é: paralelamente ao poder estatal e às sanções impostas aos fornecedores, o consumidor deveria se conscientizar mais, se interessar mais, e também cobrar mais das agências regulatórias. Quanto a estas, eventual falha do funcionário responsável pelo atendimento deve ser comunicada ao respectivo órgão disciplinar, para que o atendimento do Estado também melhore.

Tem que começar de alguma forma. O fato de o consumidor se mostrar instruído já é uma grande coisa sim, pois, se a maioria se mostrar instruída, os fornecedores pensarão melhor antes de cometer abusos.

Dando um exemplo bem tosco (mas que acho didático nesse caso), imagine um valentão brigão que pratica bullying com os fracotes do bairro, abusando frequentemente deles. Imagine, agora, que esses fracotes se matriculem num curso que ensine alguma arte marcial. Você concorda que isso pode até não refrear substancialmente os ânimos do valentão, mas o fará pensar melhor antes de provocá-los?

União e preparo são tudo, caro Rubem.

Valeu pelo comentário.

Forte abraço. continuar lendo

Infelizmente vivemos no país da impunidade. Temos que resgatar todos os valores morais de estão se perdendo por conta disso tudo. abç continuar lendo